– 600 mil pessoas morrem todo ano de sepse no Brasil?
– A sepse é responsável pela ocupação de 25% dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva?
– A mortalidade chega a 65% dos casos no Brasil e é a principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva?
– Que a melhora do prognóstico está diretamente correlacionada com a rapidez com que é feito o diagnóstico e com a imediata administração da terapia adequada ao paciente?
– O tratamento dos pacientes com sepse é o principal gerador de custos hospitalares?
(dados do ILAS)
O que é a sepse?
É uma síndrome caracterizada por anormalidades fisiológicas, patológicas e bioquímicas induzidas pela infecção. É definida como uma disfunção dos órgãos causada por uma resposta descontrolada do hospedeiro à infecção e que coloca em risco a vida do paciente.
SIRS X sepse
Embora sejam duas condições graves, por vezes sobrepostas, SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica) e Sepse são duas entidades distintas.
Na SIRS não há evidência de infecção e é caracterizada pelas seguintes alterações clínicas e laboratoriais:
– Temperatura > 38oC ou < 36oC
– FC > 100 bpm
– FR > 22 ipm ou PaCO2 < 32 mmHg
– Leucócitos > 12×109/L ou < 4×109/L ou >10% formas imaturas (Gotts & Matthay 2016)
Na sepse há componentes da SIRS, mas a sepse vem acompanhada de uma infecção. A definição de sepse foi atualizada em 2016 (Sepse-3), substituindo as classificações anteriores, levando-se em conta que a disfunção orgânica está sempre presente no paciente com sepse, e ficou assim definida:
SEPSE-3 (2016): disfunção dos órgãos causada por uma resposta descontrolada do hospedeiro à infecção e que coloca em risco a vida do paciente.
A disfunção orgânica é identificada quando o score SOFA é ≥ 2 (SOFA: Sequencial sepse-related Organ Failure Assessmenet – Score que avalia o grau de disfunção dos órgãos).
A forma mais grave da sepse é denominada choque séptico, onde as anormalidades celulares/metabólicas são suficientemente graves para aumentar substancialmente a mortalidade. Os pacientes apresentam uma hipotensão persistente que requer a administração de vasopressores para manter a Pressão Arterial média ≥65mg/dL e níveis de lactato sérico > 2 mmol/L a despeito da reanimação volêmica adequada. A mortalidade nesses casos excede 40% (Singer et al. 2016).
Tudo começa com o reconhecimento dos patógenos por um conjunto de receptores celulares chamados de PRRs, ou padrão de receptores de reconhecimento, que detectam produtos da biossíntese dos microrganismos, os PAMPs, padrões moleculares associados aos patógenos. Outros receptores como os toll like também detectam material genético de vírus e bactérias. Esses receptores localizados nas células da resposta imune inata, como os monócitos, macrófagos, neutrófilos, células dendríticas e células natural killer, reconhecem esses produtos dos patógenos e iniciam a reposta inflamatória, com a liberação de diversas citocinas inflamatórias, como o TNF-alfa, a IL-6 e a IL-1, que vão atuar nas células endoteliais, resultando na ativação da coagulação, extravasamento endotelial, rolamento e extravasamento de neutrófilos, que numa forma exacerbada levam à disfunção dos órgãos e a hipotensão da sepse.
Um mecanismo que tenta controlar a resposta inflamatória e o restabelecimento da homeostase é a síndrome da resposta anti-inflamatória compensatória (CARS). No entanto, um desequilíbrio entre essas respostas pode ocasionar, de um lado, a persistência da resposta inflamatória com consequente disfunção orgânica e morte, e de outro, uma imunossupressão, com infecções secundárias e morte do paciente.
Cada vez fica mais claro que fatores relacionados ao hospedeiro são determinantes na evolução da sepse, além dos fatores relacionados ao agente agressor. Isso explica por que há diferentes respostas em pacientes acometidos pelo mesmo tipo de infecção. Fatores como idade, comorbidades, uso de medicamentos imunossupressores, fatores genéticos que modulam a resposta imune explicam a heterogeneidade clínica dos indivíduos afetados (Singer et al. 2016).
A principal causa de morte dos pacientes com sepse é a falência dos órgãos, que em geral se inicia com a falência de um único órgão, por exemplo, insuficiência respiratória, necessitando de ventilação mecânica, que pode progredir para o comprometimento de outros órgãos se não for rapidamente diagnosticada e tratada. Se quatro de cinco órgãos forem afetados a mortalidade pode chegar a 90%, independente do tratamento.
A patogênese da falência dos órgãos é multifatorial e alguns fatores relacionados com a patogênese da disfunção dos órgãos podem ser aqui listados:
A hipoperfusão e a hipóxia são os fatores dominantes. A oclusão microvascular devido ao depósito de fibrina resulta da ação de substâncias procoagulantes liberadas pelas células endoteliais, associada ao desenvolvimento de exsudato nos tecidos, infiltração celular principalmente por neutrófilos com lesão tecidual pela liberação de enzimas lisossomais e o aumento de óxido nítrico. A combinação desse conjunto de fatores causa uma instabilidade vascular que tem como consequência a hipoperfusão tecidual e oxigenação inadequada dos tecidos, levando à falência dos órgãos (revisado por Cohen 2002, Angus & van der Poll 2013).
Biomarcadores da sepse
Podem ser usados em quatro domínios, que podem ser sobrepostos:
– Como uma ferramenta diagnóstica
– Como um recurso para estagiar a gravidade da doença
– Como um indicador de prognóstico
– Para predizer e monitorar a resposta clínica a uma intervenção terapêutica
Citaremos alguns deles:
– Procalcitonina (PCT): produzida em condições fisiológicas pelas células C da glândula paratireoide. Nas infecções a PCT é liberada de células neuroendócrinas dos pulmões e intestinos, mediada por citocinas pro-inflamatórias como a TNF-α e IL-6. A PCT não diferencia claramente causas infecciosas de não infecciosas da SIRS. Sua elevação ocorre dentro de 3 a 6 horas após a infecção, com pico dentro de 6 a 8 horas. Suas concentrações não correlacionam com a gravidade da sepse ou mortalidade. É útil para monitorar a resposta à antibioticoterapia (Larsen & Petersen 2017). Sua determinação apresenta resultados inconsistentes nas infecções fúngicas e é de valor limitado nas infecções virais. (Rebeaud 2017).
– Proteína C-Reativa (PC-R): sintetizada pelo fígado após 6 horas do estímulo da IL-6, com meia-vida de 20 a 24 horas, sendo um bom marcador para as condições inflamatórias, mas pouco específico para as infecções bacterianas. Níveis permanentemente baixos praticamente afastam a possibilidade de sepse. É suprimida pela ação de corticoides (revisado em Hausfater 2014 e Rebeaud 2017).
– Lactato: é produzido nas células durante a glicólise anaeróbica, que vai gerar ADP e ATP importantes para a produção de energia nas células. Durante a sepse há uma elevação nos níveis de lactato devido ao aumento de produção e redução no clearance pelos rins e fígado. A oxigenação prejudicada dos tecidos, devido à hipotensão, inflamação endotelial e vasodilatação contribuem para a elevação do lactato (Anil 2017). Altos níveis de lactato estão associados com pior prognóstico e alta mortalidade. Valores acima de 2 mmol/L são indicativos de choque séptico e medidas seriadas podem ser efetivas no monitoramento de várias intervenções terapêuticas. Deve ser lembrado que o lactato pode estar elevado em diversas condições, como na parada cardíaca, trauma, convulsões ou atividade muscular excessiva (Fan et al 2016).
– Contagem de leucócitos: os leucócitos participam da resposta imune inata e na sepse sofrem profunda ativação. A leucocitose (> 12000/mm3) e a leucopenia (<4000/mm3) são variáveis inflamatórias, assim como a presença de formas imaturas granulocíticas > 10%. O total de neutrófilos e a relação neutrófilos imaturos/neutrófilos maduros podem ser usados no diagnóstico da sepse, embora a sensibilidade e especificidade dos mesmos variem na literatura. A relação neutrófilo/linfócito também é sugerida como um marcador da infecção, preditor e indicador na gravidade da bacteremia (revisado em Iskandar et al 2018).
Um novo biomarcador da sepse
Sendo a sepse um quadro de extrema urgência, onde o tempo para se fazer o diagnóstico e a introdução das intervenções terapêuticas deve ser o menor possível, incita à busca constante de novos elementos clínicos e laboratoriais que possam auxiliar na detecção precoce do quadro e assim melhorar o prognóstico do paciente.
Nesse sentido, os analisadores hematológicos da série DxH 900 da Beckman Coulter fornecem um parâmetro que pode auxiliar na detecção da sepse de maneira rápida, uma vez que é liberado junto com os outros resultados do hemograma. Esse parâmetro, que tem a sigla MDW (Monocyte Distribution Width) fornece informações sobre o grau de atividade dos monócitos, célula participante da resposta inata às infecções, através dos processos de fagocitose, apresentação de antígenos e produção de citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias.
Na sua forma ativada, o monócito sofre alterações funcionais e morfológicas e são essas alterações que são detectadas pelo analisador DxH 900, usando a tecnologia VCS que determina o volume da célula, a sua composição interna, a granulosidade e a estrutura nuclear. A heterogeneidade da população de monócitos ativados é detectada por um alargamento da curva de distribuição das células, semelhante ao observado no RDW da série vermelha (Figura 1).
Vários estudos têm mostrado a aplicabilidade do MDW nos departamentos de emergência na detecção precoce da sepse e como preditor da gravidade da infecção, o que possibilitou que o ESId tenha sido aprovado pelo FDA como um indicador precoce da sepse (Crouser et al 2017; Crouser et al 2019).
A capacidade do MDW para distinguir sepse de não-sepse foi comparada com o de outros biomarcadores, como a Procalcitonina e a Proteína C-Reativa, e os resultados mostraram desempenho semelhante entre eles, com a vantagem do MDW ser obtido rapidamente, junto com o relato do hemograma (Piva et al 2021) (Figura 2). Assim, agiliza a requisição de exames adicionais comprobatórios e a introdução do tratamento adequado em menor tempo, aumentando a chance de sobrevida do paciente.
Não existe um biomarcador que possa ser usado isoladamente para fazer o diagnóstico da sepse. Nesse sentido, o MDW é um auxiliar importante, fácil de ser obtido e que pode ser incorporado aos protocolos dos Serviços de Urgência como bom indicador da presença ou desenvolvimento da sepse.
Saiba mais detalhes sobre esse parâmetro e suas aplicações clínicas nas próximas publicações.
Referências Bibliográficas
Angus DC & van der Poll T. Severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 2013;369:840-851.
Anil N. Importance of measuring lactate levels in children with sepsis. Nurs Child Young People 2017;29(8):26-29.
Cohen J. The immunopathogenesis of sepsis. Nature 2002; 420:885-891.
Crouser ED, Parrillo JE, Martin GS et al. Monocyte distribution width enhances early sepsis detection in the emergency department beyond SIRS and qSOFA . J Int Care 2020: 8:33.
Crouser ED, Parrilo JE, Seymour C et al. Improved Early Detection of Sepsis in the ED With a Novel Monocyte Distribution Width Biomarker. CHEST 2017; 152(3):518-526.
Fan S-L, Miller NS, Lee J, Remick DG. Diagnosing sepsis – The role of Laboratory Medicine. Clin Chim Acta 2016;460:203-210.
Gotts JE & Matthay MA. Sepsis: pathology and clinical management. BMJ 2016;353:i1585). doi: 10.1136/bmj.i1585.
Hausfater P. Biomarkers and infection in the emergency unit. Med Mal Infect. 2014 Apr;44(4):139-145. doi: 10.1016/j. 10.1016/j.medmal.2014.01.002.
https://www.creative-diagnostics.com/innate-and-adaptive-immunity.htm.
ILAS – Instituto Latino Americano da Sepse. https://www.ilas.org.br.
Iskandar A, Susianti H< anshoty M, Di Somma S. Biomarkers Utility for sepsis patients management. http://dx.doi.org/10.5772/intechopen.76107.
Larsen FF & Petersen JÁ. Novel biomarkers for sepsis: a narrative review. Eur J Int Med 2016.0287.2017;45:46-50.
Piva E, Zuin J, Pelloso M et al. Monocyte distribution width (MDW) parameter as a sepsis indicator in intensive care units. Clin Chem Lab Med 2021;59(7):1307-1314.
Rebeaud F, 2017. in https://www.mlo-online.com/timely-identification-sepsis.
Singer M, Deutschman CS, Seymour CW et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA 2016, February 23;315(8):801-810.
Saiba mais sobre os parâmetros de MDW para Sepse clicando aqui, ou entre em contato através do e-mail [email protected].