O paradigma estabelecido no século passado pelo médico escocês Archibald Leman Cochrane chamado Medicina Baseada em Evidências (MBE), certamente mudou a maneira de se instituir tratamentos médicos em todo o mundo. Isto não se discute. Ocorre que estão os Laboratórios Clínicos preparados para o mesmo?
Para se chegar à uma conclusão plausível, há que se discutir alguns conceitos que ainda estão em voga no nosso país. Da mesma maneira que um Tribunal deve ser instigado através de uma parte interessada, seja o Ministério Público, ou uma parte que se sentir lesada, o Laboratório Clínico é despertado através de uma necessidade médica. As partes interessadas são médico e paciente. Laboratórios Clínicos não devem, por sua singular natureza, gerar seus próprios serviços, garantindo, por conseguinte, preceitos éticos que satisfaçam a Sociedade Civil. Partindo desta premissa, como tais empresas devem se portar diante de tal arquétipo?
Segundo a assistente de Pesquisa Científica do Centro Cochrane do Brasil e Doutoranda em Medicina Interna e Terapêutica na UNIFESP, Regina Paolucci El Dib, a Medicina Baseada em Evidências (MBE) é definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica, ou seja, a MBE utiliza provas científicas existentes e disponíveis no momento, com boa validade interna e externa, para a aplicação de seus resultados na prática clínica utilizando padrões como efetividade, eficiência, eficácia e segurança. Seguindo este raciocínio, não há lógica no médico que solicita uma dosagem de Vitamina B12 a uma criança com anemia ferropriva, tampouco, naquele que demanda testes sorológicos de triagem para HIV em um paciente já com diagnóstico fechado da Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida.
Sucede-se que isto intercorre constantemente nos laboratórios e, salvo equívoco, não cabe recusa na realização dos exames nestas situações.
Neste contexto, vemos claramente um desperdício de recursos, onerando os Sistemas de Saúde público e privado e tornando assim, cada vez mais difícil os tão almejados reajustes nos valores dos exames de laboratório, algo pleiteado por 10 entre 10 empresários do setor, uma vez que tais práticas de requisições desnecessárias de exames vêem crescendo exponencialmente, num movimento antagônico à MBE.
As discussões sobre a maneira de remuneração pelos serviços médicos vêem aumentando sobremaneira nos últimos anos, uma vez que a atual fórmula, conhecida como “Fee For Service”, caminha à insustentabilidade.
A saída encontrada em todo o mundo parece ser a chamada “Pay For Performance”, que, em tese, conseguiria reduzir os custos médicos assistenciais. A aplicação da MBE no chamado sistema “Pay For Performance” seria a cereja do bolo neste processo, porém, há um espaço imensurável entre teoria e prática.
Voltando à analogia com o sistema judiciário, percebemos que o caminho da judicialização nos relacionamentos interpessoais vem dilatando extraordinariamente, tornando nosso sistema judiciário lento e, muitas vezes, ineficaz. Aos Laboratórios Clínicos tais enunciados se valem do mesmo pensamento no que tange à dilatação exponencial, porém, felizmente a grande maioria das empresas do setor tem conseguido melhorar sua eficiência e eficácia. Basta que um tema sobre saúde caia nas graças de algum jornalista famoso que, imediatamente, isto se reflita nas requisições médicas, muitas vezes sem qualquer base científica para tal.
Será que são verdadeiramente necessárias tantas dosagens de Vitamina D como fazemos hoje? Não poderíamos substituir a antiga Curva Glicêmica, com seus cinco pontos de dosagem por apenas a coleta da glicemia basal e pós sobrecarga oral? Recentemente este missivista teve uma contenda com um médico, dito “Guru da medicina”, que exigia saber a concentração final da dosagem de Vitamina D de sua paciente, na qual ele havia administrado doses cavalares daquele complexo. Qual a real necessidade de se saber se a concentração de Vitamina D – 25 Hidroxi está em 800 ng/dL ou 1.200 ng/dL?
Segundo a médica Lisa Pryor, em artigo publicado pelo The New York Times e reproduzido aqui no Brasil pela Folha de São Paulo, “’gurus da medicina’ são aqueles profissionais eloquentes e influentes, cujas ideias carecem de real embasamento científico. Estes profissionais promovem uma confusão entre verdade e fantasia”. Já, o Professor Livre Docente em Cardiologia Luis Cláudio Correa, embasa tal afirmação ao citar profissionais (ou gurus da medicina) “que argumentam contra vacinação de crianças, citando evidências científicas de que vacina causa autismo, da mesma maneira, em que há profissionais que argumentam contra rastreamento de câncer de próstata. Ele acredita que as propostas destes ‘gurus’ não prevalecem como modificadoras de condutas. Em sua maioria, atuam em ‘guetos’ sofisticados, vendendo seus tratamentos fantasiosos para uma elite que procura fórmulas platônicas da felicidade”. E é, seguindo este raciocínio, que chegamos à conclusão de que muito do desperdício presente nos sistemas de saúde, se deve às práticas antagônicas à MBE. Lisa Pryor, em seu artigo, corrobora tal afirmação, quando apresenta a solução para os gurus da saúde: a Medicina Baseada em Evidências.
Retomando a discussão sobre os Laboratórios Clínicos, torna-se difícil a implantação do sistema de remuneração “Pay For Performance”, uma vez que há o risco presente de nos depararmos constantemente com médicos incompetentes que, para suprimir suas carências científicas, fazem mão do uso da Propedêutica Armada como alternativa final para seus diagnósticos.
Não resta qualquer ceticismo de que a Medicina Baseada em Evidências é um caminho sem volta, e uma importante ferramenta para a consolidação do “Pay For Performance”. Resta-nos descobrir de que maneira os Laboratórios Clínicos modernos irão se encaixar nestes novos paradigmas.