Por Milena Tutumi
A engenharia celular surgiu como uma terapia revolucionária, especialmente no campo da oncologia. No entanto, à medida que o conhecimento avança, a atenção se volta para um novo e promissor horizonte: o uso da técnica no diagnóstico. Nesse cenário, o Grupo Fleury tem se destacado por seu pioneirismo, liderando pesquisas que ampliam as possibilidades diagnósticas e viabilizam a produção de kits para casos específicos, como em doenças autoimunes.
Como menciona o médico reumatologista e imunologista do Grupo Fleury, Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade, a terapia celular é praticada há muito tempo. Bons exemplos são as transfusões sanguíneas e os transplantes de órgãos. Mas o que chamou a atenção para a engenharia celular nos últimos tempos foram as células CAR-T.
Terapia consolidada: a engenharia celular no tratamento de linfomas
Por definição, as células T são responsáveis por lidar com os invasores que se encontram dentro das células, enquanto os linfócitos B atacam aqueles que estão do lado de fora: “O linfócito T atua como uma força de combate direto, engajando-se em confrontos corpo a corpo. Por outro lado, o linfócito B opera como um míssil direcionado (anticorpo) contra o patógeno. Essa distinção é fundamental para a compreensão da terapia CAR-T”, ilustra o Dr. Andrade.
A CAR-T é uma célula obtida ao se combinar uma parte do receptor de antígeno da célula T com o receptor de antígeno, que corresponde ao anticorpo da célula B. O resultado é uma célula altamente potente, uma quimera (criaturas da mitologia grega compostas por mais de um organismo), dotada de um elevado poder de ataque.
Este processo é realizado por meio da engenharia celular, em que um gene é introduzido utilizando um vírus que infecta a célula T, fazendo com que ela expresse esse receptor híbrido, quimérico. Assim, a célula T reconhece o antígeno presente na célula cancerosa e a elimina.
Novas abordagens: a engenharia celular para múltiplas doenças
A eficácia das células CAR-T no tratamento de linfomas já é um exemplo amplamente documentado: “A engenharia celular nessa área está consolidada, é um procedimento irreversível. Nós no Fleury planejamos desenvolver terapias celulares para essa condição. Mas hoje, a grande inovação é a aplicação dessa terapia para o tratamento de outras doenças, como as autoimunes e inflamatórias”, destaca o especialista.
Para se ter uma ideia do amplo leque de doenças que estão no alvo das terapias por engenharia celular, o Dr. Andrade cita uma lista que inclui: lúpus, esclerose múltipla, esclerose sistêmica, miastenia gravis, colite ulcerativa, diabetes tipo 1, plaquetopenia, pênfigo vulgar e encefalites autoimunes.
O especialista comenta dois estudos publicados sobre a aplicação da engenharia celular em lúpus e miastenia gravis:
– Lúpus: a publicação sobre o uso das células CAR-T no tratamento de lúpus descreve o processo, que envolve a inserção em células em crescimento. Posteriormente apresentam um pico de atividade e são eliminadas. Essa abordagem resulta na destruição das células B do paciente. Com a eliminação do repertório de linfócitos B, atualmente, esses pacientes são monitorados a cada dois anos, sem a necessidade de medicação. Diversas condições associadas ao lúpus também foram resolvidas, e os parâmetros clínicos voltaram a níveis normais. Observa-se uma estabilidade no estado do paciente e uma significativa melhora clínica.
– Miastenia gravis: a miastenia gravis é uma das doenças autoimunes provocadas diretamente por autoanticorpos. Nesse caso, há a produção de anticorpos que atacam o receptor do neurotransmissor acetilcolina. A acetilcolina, que é liberada pela terminação nervosa na junção neuromuscular, é fundamental para a comunicação entre os nervos e os músculos. O músculo, por sua vez, responde à acetilcolina. No entanto, o paciente apresenta anticorpos que se ligam a esse receptor. Quando isso ocorre, o anticorpo ocupa o receptor, impedindo que a terminação nervosa consiga realizar sua função de estimulação. Isso resulta em fraqueza muscular no indivíduo. A terapia com células CAR-T pode ser aplicada de maneira específica para essa condição, possibilitando a reversão do quadro.
Diagnóstico laboratorial: a engenharia celular abrindo novos caminhos
Com a identificação de todos esses anticorpos, surgem novas oportunidades para o diagnóstico de muitas doenças, conforme relata o Dr. Luis Andrade. Na busca por esses anticorpos no diagnóstico, a equipe de especialistas do Grupo Fleury utiliza a engenharia celular. O método consiste em transfectar células com o alvo do anticorpo que se deseja detectar. Nas palavras do médico, é como se fosse criada uma isca específica para capturar esse anticorpo no paciente.
Como resultado desse trabalho, o Grupo tem promovido o diagnóstico de doenças específicas, com um desenvolvimento total in-house, ou seja, desde as pesquisas iniciais em biologia molecular, o processo de engenharia celular à produção dos kits e operação: “Tudo acontece em um processo contínuo, interligando todas as etapas. Na ponta, com uma amostra de sangue do paciente, conseguimos obter um diagnóstico bem mais rápido e de forma segura”, detalha o Dr. Andrade.
Entre os testes de diagnóstico realizados por engenharia celular no Grupo Fleury, está o que realiza o diagnóstico da doença associada a anticorpos contra MOG (Mielina Oligodendrócito Glicoproteína). Há algumas décadas, a doença era confundida com esclerose múltipla. “Essa condição é provocada por anticorpos que atacam a proteína MOG, uma glicoproteína exclusiva da mielina do oligodendrócito, célula essencial para a manutenção da funcionalidade da rede neuronal, que depende dessa mielina”, pontua o reumatologista.
A detecção desse anticorpo é fundamental para o diagnóstico. O especialista comenta que houve tentativas de manipulação da MOG por outros métodos, mas foi a engenharia celular que possibilitou a transfecção do gene da MOG para uma célula sem a proteína: “Isso induz a expressão dessa glicoproteína na superfície celular e o resultado é a combinação de células não transfectadas com as transfectadas. Nesse contexto, temos um controle negativo com o reconhecimento das células transfectadas, o que possibilita um diagnóstico mais preciso”.
Outro teste realizado internamente no Grupo Fleury, é o do anticorpo anti-Musk, um dos causadores da miastenia gravis. Seguindo a metodologia do teste anti-MOG, as células que mantêm a transfecção possibilitam o controle negativo.
Processo de ponta a ponta: da engenharia celular à operação
As diversas possibilidades diagnósticas da engenharia celular levaram o Grupo Fleury a produzir kits internamente. Hoje, mesmo que existam os kits comerciais que disponibilizam lâminas para a leitura em microscopia, os alvos são determinados e restritos. A Pesquisadora Sênior de P&D do Grupo Fleury, Alessandra Dellavance, ressalta que o custo elevado e a necessidade de buscar outros alvos desafiadores comercialmente para a indústria impulsionaram o processamento desses testes exclusivos.
Os painéis são elaborados para atender especificamente às demandas dos médicos. Até então, utilizavam painéis produzidos no exterior, os quais eram bem abrangentes, demoravam a gerar resultados e acarretavam custos elevados para os pacientes.
“No contexto das doenças-alvo, é essencial proporcionar um diagnóstico ágil, uma vez que, enquanto o tratamento não é definido, a doença avança, podendo ocasionar danos irreversíveis ao sistema nervoso central. Temos plena consciência do impacto que um diagnóstico pode exercer na vida de um paciente diante de uma enfermidade”, enfatiza a pesquisadora.
O Grupo Fleury se posiciona na linha de frente da inovação no diagnóstico, liderada pela engenharia celular. Essas iniciativas promovem a evolução da medicina laboratorial, oferecendo novas perspectivas, tanto para pacientes quanto para profissionais da saúde, possibilitando uma nova abordagem no campo do diagnóstico.