Dispositivo pode ser alternativa aos testes de sensibilidade a antimicrobianos
Um sensor de baixo custo, não invasivo e que não entra em contato com o paciente consegue verificar na amostra a concentração e o crescimento de bactérias, como Escherichia coli, e fornece a resposta imediatamente. Com isso, o médico pode iniciar o tratamento o quanto antes.
A técnica foi desenvolvida por pesquisadores das universidades da Columbia Britânica em Okanagan (UBC) e de Calgary, ambas no Canadá. O estudo Sensitive, Real-time and Non-Intrusive Detection of Concentration and Growth of Pathogenic Bacteria using Microfluidic-Microwave Ring Resonator Biosensor foi publicado no periódico Nature Scientific Reports.
O dispositivo consiste de um chip que integra um gerador de micro-ondas e a tecnologia de microfluidos — minúsculos canais por onde circulam líquidos em volumes da ordem de nanolitros a picolitros —, onde é colocada a amostra colhida do paciente. Os sinais elétricos emitidos são analisados e apresentam um perfil das bactérias presentes.
Segundo Mohammad Zarifi, professor assistente da UBC e coautor do estudo, “o sensor é capaz de mostrar quais são as bactérias encontradas na amostra, sua concentração e interação com antibióticos”. Ele diz que os resultados dão aos profissionais de saúde mais informações do que eles têm disponíveis hoje em dia e praticamente em tempo real, enquanto os tradicionais testes de sensibilidade a antimicrobianos (TSA) podem levar de dois a cinco dias.
Importância do pH
No artigo, os autores explicam que as concentrações de bactérias testadas na pesquisa são equivalentes à concentração clínica de bactérias atualmente tratadas em laboratórios de microbiologia clínica, que geralmente é superior a 105 UFC/mL. Devido à presença de bactérias em uma infinidade de ambientes no corpo humano, o efeito de fatores ambientais precisa ser considerado ao se desenvolver biossensores para o diagnóstico desse tipo de infecção.
“O valor do pH é um forte indicador das condições ambientais, o que afeta muito as atividades metabólicas das bactérias e, portanto, sua capacidade de proliferação e o potencial de fatalidade dos pacientes”, acrescenta Zarifi.
Durante o estudo, a presença de diversas concentrações de bactérias em diferentes soluções de pH foi detectada através do rastreamento das mudanças nas respostas de amplitude e frequência de ressonância do sistema de micro-ondas.
Automatização do fluxo nos laboratórios
O artigo destaca que esse biossensor representa um avanço para automatizar e agilizar o fluxo de trabalho dos TSA em laboratórios de microbiologia clínica na detecção de bactérias.
Segundo os autores, a infecção bacteriana é um problema comum em hospitais de todo o mundo e cada hora de atraso para iniciar o tratamento com antibióticos aumenta a taxa de mortalidade dos pacientes em 7,6%, com sepse e choques sépticos. Portanto, a falha ou demora no diagnóstico em estágios iniciais e críticos das infecções bacterianas é prejudicial à saúde do paciente e potencialmente fatal.
De acordo com o artigo, os pacientes geralmente começam a apresentar sintomas de sepse quando a concentração sanguínea de bactérias atinge entre 1 e 100 UFC/mL. Já foram desenvolvidos vários métodos para detectar bactérias, como imagens óticas, contagem de células, contadores Coulter, monitoramento de pH, detecção magnética, fluorescente, eletroquímica ou de bioluminescência. Porém, segundo os autores, exigem um extenso processamento de imagem ou sinal e os aparelhos podem ser caros, de operação trabalhosa e volumosos.
Mohammad Zarifi afirma que o biossensor desenvolvido no estudo é compacto o bastante para aplicação em testes laboratoriais remotos (point-of-care). Isto é possível devido à utilização de chips de microfluidos, técnica que vem revolucionando as áreas de análises clínicas, pesquisas médicas e diagnóstico em geral. Ela já é empregada na análise de sangue e urina para monitorar doenças infecciosas. Recentemente, passou a ser usada também para detectar bactérias, com a vantagem de fornecer respostas rápidas e precisas.
“Além disso, através da multiplexação é possível combinar diversos ensaios que envolvem biossensibilidade. Juntamente com o emprego de tecnologias eletromagnéticas, por exemplo, permite desenvolver sensores que podem detectar células e moléculas “, diz Zarifi. Ele acrescenta que o uso de geradores de micro-ondas tem mostrado grande potencial em sensores biológicos.
Problema global
Existe uma ocorrência generalizada de resistência aos antimicrobianos entre 500 mil pessoas com suspeita de infecção bacteriana em 22 países, segundo o Global Antimicrobial Resistance Surveillance System (Glass), sistema de monitoramento da Organização Mundial de Saúde (OMS), lançado em 2015, para apoiar ações referentes à resistência aos antimicrobianos.
De acordo com o Glass, as bactérias resistentes relatadas com mais frequência são Escherichia coli, Klebisella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae. O sistema não inclui dados sobre Mycobacterium tuberculosis porque a OMS acompanha a tuberculose separadamente desde 1994 e emite relatórios atualizados anualmente.
Entre 8% a 65% de E. coli associadas a infecções do trato urinário apresentaram resistência à ciprofloxacina, antibiótico muito usado no tratamento dessa condição. “Os patógenos não respeitam as fronteiras nacionais. É por isso que a OMS incentiva os países a criarem bons sistemas de vigilância para detectar a resistência aos medicamentos e fornecer dados para o Glass”, destaca o diretor do secretariado de Resistência Antimicrobiana da OMS, Marc Sprenger.
Segundo a coordenadora do Glass, Carmem Pessoa-Silva, esse é um primeiro passo para se compreender melhor a extensão da resistência antimicrobiana. “A vigilância está no começo, mas é vital desenvolvê-la se quisermos antecipar e enfrentar uma das maiores ameaças à saúde pública global”, diz. Não é à toa que a OMS incluiu a resistência antimicrobiana como uma das dez prioridades para a saúde em 2019.
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