
Por Cristina Sanches
Nos laboratórios analíticos, o controle de qualidade da água é fundamental. Utilizada como reagente químico, ela deve conter uma quantidade mínima de contaminantes como íons, matéria orgânica e micro-organismos.
Para todos os processos de análises a água precisa ser purificada. E cada processo requer um nível de purificação. A variedade de pureza da água (de pura a ultrapura) está baseada nas suas aplicações, tais como preparação de tampões, cultura de células, cromatografia, biologia molecular, histologia, HPLC, análise de TOC, preparação de reagentes e fotometria.
“Nos laboratórios de análises é fundamental o fornecimento de água em conformidade com as normas de qualidade para obter testes de diagnóstico com resultados precisos e reprodutíveis”, explica Dener Silva, gerente corporativo da Qualidade e Sustentabilidade do Grupo Hermes Pardini.
Claudio Hirai, diretor da BCQ Análises Microbiológicas, explica que os contaminantes da água são representados por dois grandes grupos: químico e microbiológico. “Em relação à contaminação microbiana da água ultrapura, eles são representados principalmente por bactérias, sendo originários da própria microbiota da fonte da água e também dos equipamentos de purificação. A contaminação também pode ocorrer devido a procedimentos inadequados de limpeza e sanitização, o que contribui para o surgimento dos biofilmes”. Os contaminantes mais comuns são dos gêneros Alcaligenes, Pseudomonas, Escherichia, Flvobacterium, Klebsiella, Enterobacter, Aeromonas e Acinetobacter.
A água contaminada com contaminantes químicos e/ou microbiológicos tem impacto direto na qualidade dos resultados analíticos, visto que a contaminação resulta na alteração da qualidade dos reagentes utilizados.
Os resultados laboratoriais de qualidade dependem da confiabilidade da instrumentação e da qualidade da água. Fatores analíticos precisam ser controlados e otimizados para reduzir o número de possíveis falhas que possam se refletir nos resultados. Além disso, a água é um reagente muito suscetível a contaminações mesmo após a etapa de purificação.
Existem purificadores que transformam a água potável em água reagente. Mas não basta comprar o aparelho e instalá-lo para ter essa garantia. É preciso verificar se a água recebida da rede de abastecimento é de boa qualidade.
O cloro excessivo na rede pode passar pelo filtro de carvão, danificar o equipamento e chegar à água, oxidando os reagentes e prejudicando os resultados dos exames.

“A água pode interferir nas análises dependendo da substância que estiver presente nela. Uma alta concentração de cloro acima do permitido pode interferir, por exemplo, na determinação de cloretos, bacteriologia e enzimologia; traços de metais podem inibir ou acelerar reações enzimáticas. O nível tolerável de substâncias presentes na água irá depender do processo para o qual a água será utilizada”, explica Dener Silva.
No Hermes Pardini, em média, são realizados 61 exames por ponto de coleta. Duas vezes ao dia analisa-se a resistividade. Esse controle é feito internamente antes do uso da água reagente por meio de um resistivímetro e/ou condutivímetro. O controle microbiológico é feito mensalmente em laboratório especializado.
Se o laboratório optar por terceirizar o controle de qualidade da água reagente é recomendado buscar empresas com competência técnica comprovada, que sejam habilitadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), que segue a ISO 17025, norma que exige mais controle e rastreabilidade dos parâmetros de qualidade da água e é aplicável a laboratórios de calibração e ensaios.
Para um melhor controle de qualidade, no Hermes Pardini, segundo Silva, não é utilizada água estocada. “É utilizado um sistema fechado, no qual a água purificada vai diretamente para os equipamentos de produção. A água reagente poderá ser contaminada ou voltar as suas propriedades anteriores à purificação se ela for estocada. É preferível trabalhar com a obtenção de água purificada na quantidade suficiente para um dia”.
Segundo Hirai, da BCQ, a frequência de análise da água ultrapura deve estar baseada em algumas premissas: conhecer o padrão de qualidade da fonte de alimentação; estabelecer o padrão de qualidade da água purificada; desenvolver os protocolos de qualificação do projeto, instalação, operação e desempenho do sistema de produção da água; estabelecer os parâmetros críticos, níveis de alerta e de ação e a periodicidade de sanitização e monitoramento dos pontos de uso; estabelecer um plano de manutenção de validação, incluindo mecanismos para o controle de mudanças nos sistemas de água, e proporcionar subsídios para um programa de manutenção preventiva. “O monitoramento da qualidade da água deve abranger todos os pontos críticos e representativos do sistema, de acordo com o planejamento estabelecido, de forma consistente e contínua”, disse.
Tipos de água reagente
Tipo 1 – ideal para laboratórios, muito limpa do ponto de vista microbiológico e físico-químico, quase livre de sais.
Tipo II – usada para preparar meios de cultura, necessita ser esterilizada após o uso. É uma água pura do ponto de vista microbiológico e tolera alguma concentração de sais.
Tipo III – menos pura, com pouca utilidade em laboratórios.
Tipo especial – extremamente pura, é utilizada em cromatografia (HPLC)
Principais contaminantes

Os especialistas da divisão de produtos para laboratório da Thermo Scientific, Daniel Freitas e Jorge Nascimento, concordam que a qualidade da água utilizada em laboratórios está diretamente relacionada com o desempenho de técnicas analíticas que podem conduzir o sucesso de uma pesquisa ou culminar em informações inconsistentes com resultados não confiáveis. A escolha da tecnologia correta, para remoção de impurezas que realmente podem afetar a análise e mudar todo o resultado do estudo, é o ponto crucial deste ciclo, e define uma grande etapa da pesquisa que inicialmente parece ser fácil, porém se não for bem direcionada, pode ocasionar transtornos.
A água ultrapura tem por sua característica intrínseca a remoção de íons, ou seja, quando se fala no termo ultrapuro, a primeira ideia que nos remete é a ausência de íons, ou remoção de sua grande parte, para que a água alcance uma resistência de 18.2mΩ. Neste ponto cabe uma pergunta simples: toda água ultrapura é suscetível à minha aplicação? “A resposta é não, ou seja, existem inúmeras aplicações onde a água ultrapura é utilizada, como cromatografia iônica, absorção atômica, cultivo celular, PCR etc”, explicam. Porém, todas estas técnicas exigem diferentes conjugações de filtros e membranas, que devem remover contaminantes que vão além dos íons. Assim, para cada tipo de aplicação existe um tipo de água ideal para ser utilizado, e isto deve ser definido inicialmente.
Eles esclarecem ainda que os tipos de contaminantes encontrados na água e que devem ser removidos por tecnologias de purificação vão além de íons. São eles:
– Partículas suspensas: areia, limo, argila e outras partículas suspensas turvam a água. Essas partículas interferem na operação do instrumento, válvulas e outros itens, estreitando os fluxos de vazão e danificando as membranas de osmose reversa. Em geral, elas variam de 1 – 10 µm de tamanho.
– Coloides: em geral, os coloides têm uma carga ligeiramente negativa; variam de tamanho de 0,01 – 1,0 µm e podem ser orgânicos ou inorgânicos. Diferentemente das partículas suspensas, os coloides não são sedimentados pela gravidade, mas permanecem suspensos no líquido que os transporta. Os coloides entopem filtros, interferem na operação do instrumento, danificam as membranas de osmose reversa e podem desviar das resinas de troca iônica, resultando em menor resistividade nos sistemas de água deionizada.
– Íons: impurezas como silicatos, cloretos, fluoretos, bicarbonatos, sulfatos, fosfatos, nitratos e compostos ferrosos estão presentes como cátions (íons de carga positiva) e ânions (íons de carga negativa). A água com uma alta concentração de íons conduzirá eletricidade prontamente e terá alta condutividade e baixa resistividade, pois a condutividade e a resistividade são inversamente proporcionais. Os íons afetarão adversamente os resultados de análises inorgânicas, como IC, AA, ICP/MS, e podem atrasar o crescimento celular e tecidual na pesquisa biológica. Eles também podem afetar a duração do cartucho nos sistemas de água deionizada.
– Íons dissolvidos: sólidos orgânicos estão presentes na água devido à decomposição de plantas e animais e da atividade humana. Eles podem incluir proteínas, alcoóis, cloraminas e resíduos de pesticidas, herbicidas e detergentes. Eles danificam as resinas de troca de íons e interferem nas análises orgânicas, incluindo HPLC, cromatografia a gás e fluoroscopia. Eles também podem impedir a eletroforese e a cultura tecidual e celular.
– Controle externo da condutividade: outro importante parâmetro levado em consideração para águas ultrapuras é a condutividade, que deve ser determinada de acordo com a tecnologia de purificação utilizada. A condutividade elétrica é uma propriedade inerente à maioria dos materiais e para esse tipo de água deve ser medida com uma célula de fluxo adequada, que permite a medição em linha.
Processos de purificação
Para remover as impurezas é necessário recorrer a uma combinação de tecnologias de purificação. Um dos sistemas mais utilizados para isso é o de osmose reversa, baseado na utilização de membranas semipermeáveis e com propriedades especiais de remoção de íons, microrganismos e endotoxinas bacterianas, removendo de 90% a 99% da maioria dos contaminantes
Silva, do Hermes Pardini, conta que este processo é utilizado no laboratório graças ao seu alto grau de eficácia. “A osmose reversa é um pré-tratamento da água. Quando instalamos nosso Núcleo Técnico Operacional em uma nova planta, verificamos que a água do local tinha um nível de dureza elevado. Essa característica é possível de ser alterada e a melhor opção custo-benefício para diminuir essa dureza e chegar ao ponto adequado foi a osmose reversa. Assim, esse tratamento melhora a qualidade da água que vem da rede”, explica Silva. Entretanto, substâncias voláteis e algumas substâncias orgânicas de baixo peso molecular podem passar através da membrana.
Segundo ele, todos os setores técnicos do Hermes Pardini exigem o uso de água ultrapura, porém, a pureza deverá atingir o seu grau máximo nas áreas de biologia molecular, cultura de células e HPLC.
Sistemas de purificação
Ao optar por um equipamento para purificação é necessário entender quais as necessidades da empresa e qual será o uso dado ao equipamento. Entender a destinação da água, quantidade utilizada por dia e aplicação específica são algumas das perguntas que precisam ser respondidas. Com base nas respostas, fica mais fácil definir o sistema mais adequado. A fim de se acomodar em pequenos espaços em laboratórios, os sistemas devem ser flexíveis o suficiente para encaixe na bancada, para serem montados na parede ou armazenados em uma cabine.
Especificações de padrões de água pura (Tipo I, II, III) podem ser definidas pela sensibilidade e importância da aplicação ou por meio de um padrão industrial como o da Sociedade Americana para Teste e Materiais (ASTM) ou da Farmacopeia Europeia (EP). Os gerentes de laboratório devem revisar frequentemente as diretrizes relevantes de qualidade da água e aferir os impactos da água sobre a aplicação de resultados laboratoriais durante todo o ciclo, incluindo a limpeza.
A Sartorius do Brasil, entendendo a complexidade que envolve o assunto, oferece ao usuário os sistemas de purificação de água arium, disponíveis em mais de 70 versões. A água pura é armazenada em um sistema fechado de tanque flexível que protege a água contra a contaminação. Equipado com rodinhas, ele pode ser utilizado em vários laboratórios. Esse sistema restitui as cerca de três ou quatro horas que levaria para a conclusão de um ciclo de sanitização com uma simples troca de bolsa que pode ser feita em menos de dois minutos. Ele também é mais seguro para que o manipulador não interaja com os produtos químicos de limpeza do sistema. A água pura é armazenada no sistema fechado, que protege a água purificada contra a contaminação secundária.
Todas as funções do arium podem ser controladas pela tela de toque, desde o ajuste das configurações básicas até o fornecimento da água. A navegação é intuitiva e a atualização dos dados medidos, fluxogramas e mensagens de aviso são constantemente exibidas.
O sistema também oferece o recurso iJust, que otimiza a qualidade e o uso da água. O software mede os dados de uso para controlar os ciclos de limpeza e prolonga a vida útil do sistema. Consequentemente, isso causa impacto positivo sobre o ambiente e reduz o custo de produtos de consumo.
O modelo arium comfort II é um sistema combinado para produzir água ultrapura ASTM Tipo 1 e água pura Tipo 2. Ele é equipado com a mais recente tecnologia EDI e um cartucho de filtro individual para fornecer água ultrapura da mais alta qualidade. Garante ainda um nível de qualidade da água de forma consistente, a taxas de até 120 l/h. A qualidade desta água ultrapassa até mesmo as especificações da ASTM Tipo 1. A lâmpada UV integrada ao sistema evita o crescimento microbiológico e reduz o conteúdo de TOC ao mínimo. O valor de TOC atual é verificado continuamente por um monitor de TOC integrado, especialmente desenvolvido para este sistema de água ultrapura, e é exibido continuamente.
Tecnologia inovadora
A linha ELGA Labwater da Veolia Water Technologies oferece equipamentos que atendem desde a simples lavagem de vidraria, soluções tampões a até água ultrapura para aplicações mais críticas, como HPLC, ICP-MS e biologia molecular.
A ELGA possui diversas tecnologias inovadoras, como o sistema de TOC em tempo real, sendo sua maior vantagem o fato de possibilitar a verificação da qualidade da água no momento em que está sendo produzida e consumida para as análises.
O carbono orgânico total (TOC) é um indicador universal da presença de impurezas orgânicas, tal como a resistividade. Medir e monitorar esses indicadores garantirá a qualidade de água adequada para as aplicações laboratoriais. Em um monitor de TOC padrão, a resistividade da amostra é medida antes do processo de fotoxidação da lâmpada UV e o valor do TOC é uma função da diferença entre as medições.
Processos envolvidos num monitor de TOC padrão:
Outra técnica importante é a remoção do dióxido de carbono em água purificada. O CO2 interfere na resistividade da água purificada devido ao equilíbrio com o ácido carbônico (H2CO3), quando dissolvido em água, atuando diretamente no pH, deixando o meio mais ácido. Esse contaminante não é retirado por meio da Osmose Reversa. Para tal, é necessária uma técnica específica: a degasseificação. A presença desse gás pode afetar diretamente os resultados das análises, principalmente em analisadores clínicos cada vez mais sensíveis, além de reduzir a vida útil da resina de deionização.