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A gestão de dados genéticos no laboratório: o que é e o que não é ético?

Quais informações os laboratórios devem informar aos clientes, quando se trata de achados genéticos? Saiba como os laboratórios Genesis Genomics, Afip e Hapvida conduzem a questão, preservando tudo o que envolve esse tipo de análise

Entender o que é ou não considerado ético leva a uma série de reflexões, envolve medidas de segurança, protocolos e também o bom senso

Por Milena Tutumi

A gestão de dados genéticos é um tema delicado na área de diagnóstico. Por vezes, profissionais enfrentam dilemas éticos ao lidar com informações sensíveis, que nem sempre são esperadas ou estavam dentro do que se buscava. Nesses casos, o que deve ser priorizado? A privacidade, a pesquisa ou a comunicação com o cliente? Entender o que é ou não considerado ético leva a uma série de reflexões, envolve medidas de segurança, protocolos e também o bom senso.

Vamos imaginar a seguinte situação: em uma solicitação de análise para avaliação de autismo em uma criança, é encontrada uma alteração genética que pode causar futuramente uma doença. Diante disso, a dúvida é: reportar ou não ao cliente? São dilemas que refletem alguns dos gargalos na gestão das informações éticas.

Quais são os protocolos na gestão das informações?

Primeiramente, é preciso compreender que existem diferentes finalidades para os testes genéticos. Podem ser testes diagnósticos ou comerciais, como explica a médica analista e assessora molecular do Grupo Fleury/Genesis Genomics, Bianca Linnenkamp: “Em geral, quando um cliente busca um teste genético, há um pedido médico com um objetivo diagnóstico”.

Em contrapartida, os testes direto ao consumidor são produtos comerciais e não necessariamente envolvem uma consulta médica, como os testes de ancestralidade ou performance esportiva, por exemplo.

No caso do Grupo Fleury/Genesis Genomics, a maioria dos testes realizados é voltada ao diagnóstico e, para serem realizados, exigem que o cliente preencha um formulário antes da coleta. Há um padrão do laboratório, mas o tipo de análise que será feita e o que será reportado podem variar, de acordo com as informações do formulário.

Dra. Bianca Linnenkamp, médica analista e assessora molecular do Grupo Fleury/Genesis Genomics

A Dra. Bianca Linnenkamp resume: “Um dos exames que mais realizamos é o de sequenciamento genético, para avaliar o DNA da pessoa. A partir da leitura do material genético, é feita a comparação com uma referência para buscar mutações e variantes”, ilustra. Neste exame são encontradas milhares de variantes, já que uma pessoa é diferente da outra. Entretanto, o que será relatado depende da suspeita que está sendo investigada a pedido médico.

Em paralelo, a médica comenta que achados secundários da lista do Colégio Americano de Genética Médica e Genômica (ACMG, do inglês American College of Medical Genetics and Genomics) podem ou não ser informados, de acordo com a vontade do cliente, expressa no formulário.

“Nessa lista, tem alguns genes que são acionáveis, ou seja, quando identificamos uma variante genética patogênica, isso pode ser reportado no laudo, mesmo que não tenha relação com a suspeita clínica, porque há uma conduta a ser tomada”, informa a especialista. A maioria dos genes da lista está relacionada ao risco aumentado para câncer e doenças do coração, como risco de morte súbita, por exemplo.

Com essa lista e o formulário preenchido pelo cliente, o laboratório consegue ter um norte de como proceder diante de certos achados, como no caso da patogenia encontrada na investigação para autismo: “Embora haja também os critérios do laboratório, que pode não reportar ou incluir a informação como achado complementar, podemos ainda buscar o médico solicitante para entender o cenário geral, se for possível”, detalha a Dra. Linnenkamp. Contudo, há outros fatores que influenciam diretamente essa gestão de informações.

Quais os gargalos para a boa política de gestão de dados genéticos?

O Diretor de TI da Afip Medicina Diagnóstica, Milton Vicente Vieira Junior, menciona que a constante evolução tecnológica está entre os principais desafios para estabelecer uma política de gestão dos dados genéticos. Isso porque há a demanda de atualização frequente dos processos de proteção, e a necessidade de equilibrar inovação com questões éticas, especialmente em pesquisa.

Milton Vicente Vieira Junior, Diretor de TI da Afip Medicina Diagnóstica

“Outro ponto importante é a transparência e assertividade, garantindo que os clientes compreendam de fato como seus dados serão usados e confiem no serviço contratado, alinhando as práticas aos requisitos regulatórios e às expectativas da sociedade. Destaco ainda a interoperabilidade e o compartilhamento de dados entre diferentes sistemas de saúde e pesquisas. Estes processos exigem cuidados extras para prevenir o uso indevido dos dados e assegurar que o acesso seja rigorosamente controlado”, enfatiza.

Contratos com laboratórios terceirizados também merecem atenção. Débora Ramadan, Diretora Técnica da Afip, lembra que há cláusulas rigorosas referentes ao tratamento de dados e medidas de segurança necessárias, estabelecendo papéis e responsabilidades entre contratante e contratada, bem como auditorias periódicas para garantir a sustentação, atualização e melhoria contínua destes processos.

Quais são as medidas de proteção desses dados?

Geralmente, as informações genéticas circulam pelo laboratório sem serem nominais, o paciente está identificado apenas com um código como forma de proteção dos dados. Na Afip, o Diretor de TI explica que os dados não anonimizados, precisam estar armazenados em sistemas criptografados, com controles seguros de autenticação (MFA – Multi Fator de Autenticação), monitorados continuamente (DLP – Prevenção de Perda de Dados), com uma gestão rigorosa de segregação de funções, gestão e revisão de acessos, para minimizar os riscos e impactos que possam comprometer o acesso não autorizado.

O Hapvida NotreDame Intermédica, operadora no modelo verticalizado que possui a área de Medicina Diagnóstica, também lida com um grande volume de informações genéticas e, para proteger seus clientes, adota um conjunto robusto de medidas de segurança, tanto em sistemas internos quanto na comunicação com laboratórios terceirizados. “Todos os dados são armazenados em um sistema próprio e centralizado que utiliza ferramentas para proteger dados sensíveis, tanto em repouso quanto em trânsito, garantindo que apenas profissionais autorizados tenham acesso”, esclarece Cidéria Costa, Diretora Executiva de Medicina Diagnóstica.

Débora Ramadan, Diretora Técnica da Afip

Mas, de modo geral, é a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que orienta a segurança dos dados genéticos nos laboratórios, “além de um arcabouço legal e normativo, que engloba as normas para acreditação laboratorial, como a Norma PALC (Programa de Acreditação de Laboratório Clínico) da SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial) ”, cita Débora Ramadan sobre o caso da Afip.

Como a equipe é treinada para lidar com informações sensíveis?

O time de profissionais que lidam com os dados sensíveis também merece cuidados. O Hapvida oferece treinamentos regulares sobre segurança da informação e proteção de dados, incluindo práticas para garantir a confidencialidade e atualização sobre as legislações vigentes. Assim, como na Afip, esse processo de educação do colaborador acontece desde a admissão. Essas medidas garantem que a equipe esteja preparada para lidar com os dados de forma ética e segura.

Assegurar o manejo adequado dos dados genéticos possui um grande significado em relação ao valor ético dessas informações, especialmente quando surgem descobertas inesperadas. “Atualmente, por exemplo, o laboratório comercial realiza os exames com base em uma suspeita para confirmação. Muitos exames já incluem o sequenciamento genético para compreender a genética da população, mesmo na ausência de sintomas. Quanto mais informações genéticas possuímos, melhor conseguimos interpretá-las. A questão ética que se coloca é: até onde esses dados podem ser utilizados? ”, indaga a Dra. Bianca Linnenkamp, médica analista e assessora molecular do Grupo Fleury/Genesis Genomics.

Cidéria Costa, Diretora Executiva de Medicina Diagnóstica do Hapvida NotreDame Intermédica

É essencial proteger o acesso às informações, visando evitar seu uso inadequado, como em casos de discriminação, por exemplo. Pacientes que apresentam um risco elevado de câncer, ou aqueles com alterações genéticas que podem ou não se manifestar como doenças, enfrentam a possibilidade de ter seus tratamentos negados no futuro? Na mesma seara, um teste genético para avaliar uma doença em um pai, uma mãe e uma criança pode revelar que o homem não é o pai biológico. Diante de circunstâncias como essas, surge a indagação: “O que fazer com essa informação que apareceu e que não era o que eu estava buscando?”.

Compreender os limites da privacidade e do consentimento dos indivíduos é uma das formas de assegurar a transparência nas práticas, e é isso que tem garantido aos laboratórios a confiança para seguirem conduzindo os diagnósticos genéticos em ambientes de pesquisa responsáveis.

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