
Interação molecular inédita entre ácidos graxos e a proteína HIF-3α – fator de transcrição parte de família de proteínas que regula a expressão de mais de 150 genes humanos, muitos deles ligados à progressão do câncer – é tema de artigo publicado no início deste mês na revista científica Scientific Reports, uma publicação do grupo Nature.
“Revelamos que ácido graxos e HIF-3α interagem fortemente por meio de um inédito bolso de ligação. Este ponto de contato pode ser uma chave, capaz de “ligar” e “desligar” a proteína. Em 20 anos de estudos sobre esta família de proteínas, é a primeira vez que uma molécula pequena e que ocorre naturalmente no ambiente celular parece regular a HIF de maneira não covalente – uma forma mais dinâmica de modular sua atividade.” detalha Andre L. B. Ambrosio, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e um dos autores do artigo.
A descoberta, realizada no LNBio, com a participação de pesquisadoras do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), amplia os conhecimentos sobre a estrutura molecular da HIF-3α e introduz perspectivas inéditas sobre sua ação no contexto celular. No futuro, estima-se que a modulação de HIF poderá alterar significativamente o curso clínico de doenças, como câncer e doenças cardiovasculares.
HIF – Fator de transcrição induzido por hipóxia

“HIF é uma das principais classes de proteínas reguladoras da expressão de genes humanos. Identificar exatamente a frente de ação da HIF que dependa de ácidos graxos é difícil, pois estas proteínas podem ativar ou responder a muitas reações em cadeia, as chamadas cascatas bioquímicas. Ainda assim, existe um consenso de que essas moléculas são extremamente importantes para adaptação e sobrevivência das células em ambientes deficientes de nutrientes e oxigênio – situações observadas no câncer e em doenças cardiovasculares” explica Ambrosio.
Três tipos de HIF são conhecidos: HIF1, HIF2 e HIF3. A pesquisa do LNBio voltou-se para a HIF3α, molécula menos conhecida e mais complexa, com três variáveis conhecidas e outras três preditas em humanos. O trabalho focou um domínio comum às seis isoformas de HIF3. Trata-se de uma “parte” da molécula utilizada para a formação de espécies maiores, onde uma HIF se liga a outra para formar dímeros. Este domínio também está relacionado à ligação de co-reguladores – moléculas que podem mediar a atividade de HIF3.
Descoberta inusitada
Sem qualquer tipo de informação sobre este domínio registrado na literatura científica, os pesquisadores de Campinas–SP começaram a investigar a sua estrutura molecular. Surpreendentemente, ao isolarem a proteína, notaram, por meio de métodos de cristalografia por difração de raios-X, um ácido graxo de 18 carbonos e insaturado ligado ao domínio tema de estudo.
Dada a maneira como este ácido graxo se liga à HIF-3α, há evidências de que esta molécula regula a proteína. A questão é saber se trata-se de uma regulação positiva ou negativa. “Fizemos uma descoberta inusitada e, agora, estamos diante de uma série de novas perguntas sobre a HIF. Quais são as consequências desta ligação? Quais circunstâncias promovem esta interação molecular? Quais lipídios podem, de fato, interferir na função da HIF-3α? Nossa descoberta aponta para uma nova linha de pesquisa em HIF”, finaliza Sandra M. G. Dias, também autora do trabalho.
Diante das novas questões, o grupo de pesquisa em processos de adaptação de células tumorais do LNBio segue estudando a HIF-3α em busca de respostas que possam esclarecer a atividade desta proteína em casos de câncer e, quem sabe, no futuro, levar ao desenvolvimento de novas terapias contra a doença.
Sobre o LNBio
O Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O LNBio dedica-se à pesquisa e inovação nas áreas de biotecnologia e à descoberta e desenvolvimento de fármacos e possui instalações abertas às comunidades científicas e empresariais. O Laboratório concentra competências, equipamentos de última geração e um time de pesquisadores de classe mundial voltados à realização de estudos multidisciplinares nas áreas de biologia estrutural, proteômica, genômica, metabolômica, bioensaios, desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais, dentre outros.