Descoberta pode gerar fármacos menos nocivos ao ser humano
As moléculas com atividade citotóxica têm como fator limitante sua atuação indiscriminada nas células sadias dos indivíduos em tratamento contra o câncer, deixando os pacientes debilitados. Uma solução para contornar esse problema é a obtenção de compostos mais seletivos, que exerçam ação mais restrita contra células tumorais, poupando, dessa forma, as células saudáveis.
Esse objetivo é perseguido desde 2010 pelo grupo de pesquisa em Síntese Orgânica e Química Medicinal liderado pelo professor Eufrânio Nunes da Silva Júnior, do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Recentemente, estudo resultante da tese de doutorado de Eduardo Henrique Guimarães da Cruz, do Programa de Pós-graduação em Química do ICEx, concluiu que a inserção de átomos de enxofre ou selênio em moléculas da família â-lapachona modifica seu mecanismo de ação, conferindo-lhe índices mais altos de seletividade. “Alguns dos compostos que desenvolvemos são 18 vezes mais seletivos contra linhagens de células tumorais do que contra células normais, em comparação com a atuação do fármaco doxorrubicina, amplamente utilizado em clínica”, compara o professor Eufrânio.
A descoberta resultou no depósito de uma patente internacional depositada no Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos em abril de 2017. O artigo sobre a patente foi publicado na edição 122 da European Journal of Medicinal Chemistry, revista de relevância mundial editada pela Sociedade Francesa de Química Medicinal.
A estratégia descortinada por Eduardo Henrique consiste na preparação de moléculas antitumorais contendo dois centros de oxidação-redução (redox), que atuam em reações químicas de transferências de elétrons. O centro redox da â-lapachona gera espécies reativas de oxigênio (EROs). Já o segundo centro redox, configurado pelos átomos de selênio e enxofre, atua como usuários de EROs.
“A célula normal, quando lesada, aciona um mecanismo de autodestruição celular, conhecido como apoptose ou morte celular programada. Já a célula tumoral não ‘entende’ esse comando e continua se multiplicando, de maneira descontrolada, levando à formação de tumores”, explica o professor Eufrânio. “Ao introduzirmos um composto que gera EROs, o processo de apoptose é induzido na célula lesada provocando apoptose celular. Células tumorais estão em estresse oxidativo, ou seja, possuem mais EROs do que as normais. Moléculas contendo enxofre e selênio atuam nesta importante característica modificando o balanço redox, o que pode proporcionar uma maior seletividade”, detalha Eduardo Guimarães.
Parceria internacional
Os compostos sintetizados na UFMG despertaram o interesse do professor norte-americano David Boothman, coordenador de um grupo de pesquisa na Universidade do Texas. “Ele estudou as substâncias e também as considerou muito promissoras. Isso impulsionou a geração da patente nos EUA, que cobre tanto a síntese das moléculas quanto a ideia relacionada com o mecanismo de ação farmacológica, até então não abordada profundamente pela ciência”, relata Eufrânio Júnior.
Todos os dados de atividade antitumoral, estudos de mecanismos de ação e seletividade constam na patente, que está disponível on-line. Para que a descoberta tenha aplicação no desenvolvimento de novos protótipos com potencial anticâncer, ainda são necessários estudos mais detalhados em seres vivos, pré-clínicos e clínicos. Para tanto, os cientistas precisarão obter parcerias da indústria farmacêutica para impulsionar a pesquisa.
“Ainda não sabemos se venceremos essa jornada, mas nossa inovação abre horizontes para a síntese de moléculas cada vez mais eficientes em termos de seletividade. O importante é que descobrimos algo mais vantajoso em relação ao que vinha sendo estudado”, observa o professor Eufrânio Júnior.
A tese “Uma nova abordagem no desenvolvimento de potentes quinonas antitumorais contendo dois centros quirais: Síntese e aspectos mecanísticos” será defendida por Eduardo Guimarães, no dia 25 de julho, no Programa de Pós-graduação em Química. Com informações da UFMG