Milhões de diabéticos ao redor do mundo necessitam injetar insulina para controle glicêmico. Essas milhões de pessoas, quando precisam, vão até uma farmácia com uma receita médica e sem muito trabalho compram uma ampola para o uso diário. Agora, você já se perguntou de onde vem toda essa insulina e como ela é produzida?
Antigamente, os dependentes de aplicação desse hormônio precisavam tomar insulina extraída do pâncreas de animais como porcos e bois, o que poderia causar algumas complicações para os pacientes. No entanto, atualmente a insulina animal foi substituída pela insulina humana. Até aí, nada de mais. Mas o mais interessante disso tudo é que apesar de ser uma proteína humana, a insulina exógena administrada pelos diabéticos é produzida por bactérias e leveduras. Isso porque o hormônio da insulina foi uma das primeiras proteínas produzidas para uso comercial por meio de engenharia genética. Porém, como é possível através de engenharia genética, uma bactéria produzir uma proteína humana?
Antes de falar de engenharia genética, nós precisamos entender como as proteínas são produzidas naturalmente. De modo geral, as proteínas são produzidas através da expressão de genes. Ou seja, para uma proteína como a insulina ser produzida por uma pessoa, uma região específica do DNA chamada de gene é ativada. Esse gene possui um código, que em conjunto com o maquinário da célula, é utilizado para gerar uma molécula, o RNA mensageiro. O RNA mensageiro, por sua vez, utiliza o mesmo código do gene para gerar uma proteína específica, nesse caso a insulina.
Com as técnicas de engenharia genética, é possível isolar o gene humano da insulina e introduzi-lo em uma bactéria ou levedura. A partir daí, a bactéria ou a levedura, utilizando todo seu maquinário celular, pode produzir a insulina humana como se ela fosse sua. É como se as máquinas e instalações de uma fábrica de bonecas fossem utilizadas para fabricar carrinhos. Em seguida, somente é necessário extrair e purificar a insulina. Essa técnica de engenharia genética é também conhecida como tecnologia do DNA recombinante.
Agora imagine utilizar tecnologias semelhantes a essa para uma produção em maior escala de outras proteínas para diversas finalidades. No mundo, existem centros de pesquisas que pretendem utilizar plantas e animais para a produção em larga escala de proteínas de interesse comercial. A ideia seria criar verdadeiras fazendas produtoras, por exemplo, de vacas leiteiras com leite rico em substâncias importantes no combate a doenças como câncer, ou produção de soja com semente rica no Fator IX, uma proteína responsável pela coagulação do sangue. Em resumo, seria como utilizar plantas e animais como fábricas para produção de fármacos, e é por isso que esses organismos geneticamente modificados são chamados de biofábricas.
Apesar dos projetos envolvendo biofábricas ainda estarem em fase de pesquisa, existe um grupo na Embrapa, coordenado pelo geneticista Elíbio Rech, que já possui sementes de soja que vêm sendo utilizadas para a produção de diversas substâncias de interesse médico, como a cianovirina, proteína isolada em algas que pode inibir a replicação do HIV, e antígenos como o NY-ES01 e o Hormad1, importantes no diagnóstico de câncer. Outras pesquisas desenvolvidas pelo grupo incluem ratos que produzem o Fator IX no leite, a alface que ajuda a combater a diarreia infantil e a soja que estimula a produção do hormônio do crescimento. E a utilidade dos biofábricas vai além da área médica, isso porque a equipe do pesquisador Rech, em conjunto com o Instituto Butantã, vem trabalhando na produção de biofibras que, em algum dia, permitam a produção de teia de aranha em larga escala para produção de materiais como coletes à prova de bala mais leves, fios biodegradáveis para medicina e para-choques mais resistentes e flexíveis.
A expectativa é que os fármacos e outras proteínas produzidas por biofábricas cheguem ao consumidor com um valor muito mais baixo. Existem evidências de que proteínas recombinantes produzidas através de animais e plantas geneticamente modificados podem ter uma redução de custo de até 50 vezes. Além disso, as proteínas recombinantes podem agregar um grande valor aos produtos agropecuários e ainda integrar o mercado agrícola com o setor farmacêutico, o que também contribui com a redução de custos. Ainda é possível citar outras vantagens da utilização de animais e plantas como biofábricas, como a produção de proteínas geneticamente modificadas idênticas às originais, resultando em um produto seguro para o consumidor; facilidade de estocagem e transporte; auxílio no estudo de funções de moléculas oriundas da biodiversidade brasileira, entre outras.
As biofábricas podem mudar não somente a saúde dos pacientes, mas também toda a forma de produção e logística que conhecemos hoje, melhorando também, a saúde financeira de vários setores produtivos. As possibilidades e combinações, como as da hélice helicoidal, são inúmeras e suas consequências bastante empolgantes para toda a comunidade científica.