Quebrar recordes de eficiência energética na geração de feixes de laser está se tornando uma rotina para Niklaus Wetter, físico suíço que trabalha no Brasil desde 1988 e há três anos dirige o Centro de Lasers e Aplicações, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.
Em 2015, Wetter e o físico Alessandro Melo de Ana, da Universidade Nove de Julho, apresentaram na revista Optics Express uma nova configuração de lentes e espelhos para geradores de laser que usam cristais contendo o elemento químico neodímio.
Com o novo arranjo, o dispositivo, um dos mais utilizados no mundo para fins industriais, médicos e de pesquisa, conseguiu aproveitar 60% da energia depositada em seu cristal para gerar luz laser, superando o recorde anterior de 50% para esse tipo de equipamento.
Agora, com a física brasileira Julia Giehl e o físico alemão Felix Butzbach, ambos ex-alunos do Ipen, e o físico espanhol Ernesto Jimenez-Villar, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Wetter conseguiu um avanço ainda maior na eficiência energética de um tipo diferente de laser: o laser randômico ou aleatório, que ganhou a atenção de físicos e engenheiros nos últimos anos por ser de baixo custo e usar dispositivos muito pequenos.
No lugar de um cristal, os equipamentos de laser aleatório produzem uma luz com características do laser convencional a partir de um líquido contendo partículas micro ou nanométricas em suspensão ou de uma mistura de partículas no estado sólido (na forma de um pó). O problema é que a eficiência desse tipo de laser costuma ser baixa. As soluções e misturas de partículas microscópicas convertem em laser no máximo 2% da energia que recebem na forma de luz.
Calculando detalhes de como o laser é gerado e amplificado à medida que a luz é refletida várias vezes pelas partículas, a equipe de Wetter descobriu como elevar a eficiência dessa conversão, que agora chegou a 60%. “Esse resultado é comparável ao dos melhores lasers de estado sólido [convencionais] disponíveis no mercado”, afirma Wetter.
O segredo, descobriram os pesquisadores, é misturar partículas de diferentes tamanhos. Nos experimentos, eles usaram grãos de um cristal com 54 micrômetros de diâmetro e grãos quase 10 vezes menores, de apenas 6 micrômetros. Na mistura, as partículas menores preencheram o espaço entre as maiores criando bolsões que aumentaram localmente em 30% o espalhamento da luz – a cada espalhamento mais energia é incorporada ao laser.
O resultado final é um aumento de 160% na potência do feixe de laser emitido. Esses resultados foram apresentados dia 31 de janeiro na Photonics West 2017, em São Francisco, Estados Unidos, a principal conferência de tecnologia laser no mundo. “Temos o recorde atual”, comemora Wetter.
No Ipen, o físico suíço sempre trabalhou na melhoria de fontes de laser de grande potência e precisão, produzidas em equipamentos que usam cristais de alta pureza e lentes e espelhos com polimento especial. São aparelhos de dezenas de milhares de dólares. Desde 2008, porém, seu laboratório persegue em paralelo outra linha de pesquisa: desenvolver melhorias em lasers aleatórios, cujo custo de produção, Wetter avalia, pode um dia chegar à casa dos centavos.
Sua motivação é o impacto tecnológico que os lasers aleatórios prometem produzir no desenvolvimento de laboratórios biomédicos compactos, portáteis e descartáveis, conhecidos pela expressão em inglês lab on a chip. São cartões feitos de vidro ou plástico que contêm uma espécie de encanamento microscópico: canais e reservatórios com milímetros a micrômetros de espessura que permitem o armazenamento, a passagem e a mistura de volumes ínfimos de líquidos. Os pesquisadores projetam essas redes de canais e reservatórios de forma a ser possível combinar amostras de sangue, saliva ou outros fluidos corporais com os reagentes químicos necessários para realizar exames laboratoriais.
Laboratórios de mão
A meta é um dia usar essa tecnologia para oferecer alguns exames a pessoas sem acesso fácil a ambulatórios e laboratórios, como idosos enfermos que não podem sair de casa ou populações carentes que vivem longe dos centros urbanos. Já existem no mundo alguns modelos de lab on a chip prontos para uso. No Brasil, uma equipe multidisciplinar coordenada pelo biomédico Marco Aurélio Krieger, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Paraná, está desenvolvendo um chip plástico em forma de disco, com 3 centímetros de diâmetro, capaz de detectar até 20 doenças infecciosas por meio da análise de uma gota de sangue. Os dispositivos que já existem, porém, só realizam diagnósticos mais simples. Identificam, por exemplo, a presença de um patógeno numa gota de sangue, mas não permitem quantificar compostos em amostras biológicas.
Alguns obstáculos ainda dificultam a criação de versões mais sofisticadas e baratas dos labs on a chip. Físicos e engenheiros já dominam as técnicas de fabricação dos microcanais nos quais ocorrem as reações químicas necessárias para os exames médicos mais comuns, como o de glicemia, de colesterol ou o de detecção de infecções. Mas o controle dessas reações e a análise dos resultados ainda exigem que o chip seja acoplado a um equipamento externo. Esse equipamento pode ser algo simples, como a lâmpada de luz ultravioleta usada para avaliar os exames feitos no chip da equipe de Krieger, ou uma fonte de laser de alta precisão, necessária para testes mais sofisticados como os que fazem a leitura precisa de níveis de colesterol, insulina e outras moléculas no sangue.
Para que os labs on a chip se tornem independentes dos equipamentos externos, é preciso incorporar ao cartão de plástico ou vidro uma estrutura capaz de produzir um feixe de laser com direção e comprimento de onda (cor) muito bem definidos, além de potência suficiente para atravessar um microcanal contendo sangue, saliva ou outro fluido biológico. Depois de passar pela amostra, a luz ainda deve chegar a um sensor que analisa as mudanças na intensidade e na cor do laser – alterações nessas propriedades podem indicar a presença das moléculas e a quantidade em que se encontram no material biológico.
Nos Estados Unidos e na Europa, algumas universidades e startups de tecnologia já fabricam chips de diagnóstico capazes de fazer esse tipo de análise em material biológico. Mas esses dispositivos ainda usam lasers produzidos por diodos semicondutores ou cristais geradores de laser convencional que, apesar de relativamente pequenos, custam centenas de dólares. Os aparelhos que geram laser convencional de alta qualidade custam caro porque exigem o uso de espelhos e cristais feitos de material muito puro e com um polimento especial – quanto mais puro o cristal e mais polidos os espelhos, mais eficiente é a produção do laser e mais bem definidas são as suas propriedades necessárias para as análises bioquímicas.
Os físicos esperam resolver esse problema de custo substituindo o laser convencional por laser aleatório. “Vislumbro os lasers randômicos como a maneira mais barata de inserir uma fonte de laser em um lab on a chip”, diz Wetter.
Em um artigo publicado em julho de 2016 na revista Applied Optics, a equipe de Wetter, em parceria com os grupos dos engenheiros Marco Alayo e Marcelo Carreño, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), descreve a fabricação e o funcionamento de uma fonte de laser aleatório que poderia facilmente ser integrada a um lab on a chip. No experimento, uma fonte externa de luz estimulou as moléculas de uma solução contendo rodamina, corante orgânico que emite luz ao ser iluminado. No lugar dos espelhos, o que amplifica a luz produzida pela rodamina são partículas microscópicas de dióxido de titânio (TiO2), também conhecido como rutila, o principal componente das tintas brancas e dos protetores solares, com grande capacidade de refletir e espalhar a luz. Quando ajustam corretamente a concentração de partículas de rutila ao tamanho e ao formato do microcanal com rodamina, os pesquisadores conseguem gerar um feixe de laser aleatório com direção e cor bem definidos. Com informações da Fapesp